O trespasse de estabelecimento comercial é um tema que, além de envolver questões jurídicas e contratuais, levanta também dúvidas importantes na área fiscal, especialmente sobre a obrigatoriedade de liquidar IVA.
Embora muitas transmissões de bens estejam sujeitas a IVA, o trespasse pode beneficiar de um regime especial, evitando essa tributação sempre que cumpra determinados requisitos.
Este artigo explica quando o trespasse está ou não sujeito a IVA, como deve ser documentado e qual o impacto no Imposto do Selo.
O TRESPASSE ESTÁ SUJEITO A IVA?
Regra geral, o trespasse não está sujeito a IVA.
Isso acontece porque, segundo o artigo 3.º, n.º 4 do Código do IVA (CIVA), fica fora do âmbito de IVA a cessão de um estabelecimento comercial, da totalidade do património ou de parte dele, desde que essa parte constitua um ramo de atividade autónomo, e que o adquirente seja, ou passe a ser, sujeito passivo de IVA.
Quer isto dizer que não há liquidação de IVA quando o que se transmite é um estabelecimento completo, capaz de funcionar de forma autónoma, ou quando o comprador é ou se torna sujeito passivo de IVA por causa da aquisição.
QUANDO HÁ SUJEIÇÃO A IVA?
A tributação em IVA volta a aplicar‑se quando não há trespasse propriamente dito, mas apenas a venda de bens isolados.
Por exemplo: se apenas se vendem inventários; se apenas se vendem máquinas, equipamentos ou mobiliário; se não há transmissão da posição contratual do arrendamento, há sujeição a tributação em sede de IVA.
Nestes casos, a operação é considerada uma transmissão de bens, tributável nos termos normais.
A IMPORTÂNCIA DA “UNIVERSALIDADE” DA ATIVIDADE
Para beneficiar da não sujeição a IVA, a transmissão deve abranger uma universalidade de bens, ou seja, um conjunto funcional suficiente para manter um ramo de atividade autónomo.
Isto significa que um verdadeiro trespasse exige: equipamentos e bens necessários; eventual inventário; direitos e posições contratuais relevantes (ex.: arrendamento, contratos de trabalho); elementos essenciais à continuidade da operação.
Se faltar este conjunto mínimo, não há trespasse, há apenas “venda de bens” e, portanto, sujeição à tributação em sede de IVA.
DOCUMENTAÇÃO DA OPERAÇÃO: CONTRATO VS. FATURA
Quando estamos perante um trespasse válido (universalidade de bens, transmissão da posição contratual, adquirente sujeito passivo de IVA), não se considera uma transmissão de bens. Logo, não há obrigação de emitir fatura.
A operação pode ser comprovada apenas pelo contrato de trespasse, desde que contenha todos os elementos exigidos no n.º 5 do artigo 36.º do CIVA, como identificação das partes, descrição da operação, valor, data e condições acordadas.
Se o contrato não incluir todos os elementos obrigatórios, ou se parte dos bens transmitidos for tributada, poderá ser emitida uma fatura com a menção: “Não sujeito a IVA – n.º 4 do art.º 3.º do CIVA.”
A fatura deve ser emitida pela empresa transmitente até ao 5.º dia útil após o momento em que o IVA seria devido (ou após o recebimento de algum valor, no caso de adiantamentos).
IMPOSTO DO SELO: QUANDO É DEVIDO?
Se a operação constitui um trespasse (sendo uma operação não sujeita ou isenta de IVA) pode haver incidência de Imposto do Selo;
Ao invés, se a operação não constitui um trespasse (sendo uma operação sujeita e não isenta de IVA) não há lugar ao pagamento do Imposto do Selo.
CONCLUSÃO
A sujeição a IVA no trespasse depende sobretudo de duas condições essenciais: a transmissão deve envolver uma universalidade de bens, capaz de manter um ramo de atividade autónomo e o comprador deve ser, ou tornar‑se, sujeito passivo de IVA.
Quando esses requisitos estão presentes, o trespasse não é considerado transmissão de bens para efeitos de IVA, dispensando a emissão de fatura e evitando tributação.
Se, pelo contrário, a operação for apenas a venda de inventários ou ativos isolados, então aplica‑se o regime normal do CIVA, com liquidação de IVA e obrigação de fatura.
Compreender estas distinções ajuda a evitar erros fiscais, penalizações e dúvidas na fase de formalização da operação.





