Quando um estabelecimento comercial é trespassado, ou seja, transferido para um novo titular, há mais do que bens e contratos em jogo. Uma das questões mais relevantes, e muitas vezes negligenciada, é o dever de não concorrência do trespassante, ou seja, do antigo proprietário.
Esse dever tem como objetivo proteger o novo titular (trespassário) contra eventuais práticas de concorrência desleal por parte de quem conhece profundamente o funcionamento do negócio e a sua clientela.
Neste artigo, explicamos como funciona essa obrigação, quais os seus limites, como deve ser regulada contratualmente e o que pode fazer o trespassário em caso de violação.
O QUE É O DEVER DE NÃO CONCORRÊNCIA?
O dever de não concorrência impõe ao trespassante (vendedor) a obrigação de não exercer atividade idêntica ou semelhante àquela que exercia no estabelecimento transmitido, por um período de tempo determinado e dentro de uma área geográfica específica.
O objetivo é evitar que o antigo titular se aproveite da sua posição privilegiada junto da clientela e fornecedores para concorrer deslealmente com o trespassário, prejudicando o desenvolvimento do negócio adquirido.
O DEVER DE NÃO CONCORRÊNCIA É LEGAL OU CONTRATUAL?
Diferente de outros institutos, este não é um dever imposto automaticamente por lei. No entanto, os tribunais têm reconhecido que, mesmo sem cláusula expressa, este dever pode existir de forma implícita, por resultar da boa-fé contratual e do equilíbrio das prestações.
A IMPORTÂNCIA DA CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA NO CONTRATO
Para evitar litígios e interpretações ambíguas, é altamente recomendável que o contrato de trespasse contenha uma cláusula específica de não concorrência, que defina limite temporal (ex.: 2 anos), limite geográfico (ex.: raio de 10 km) e limite material (ex.: tipo de atividade que não pode ser exercida).
Na ausência de uma cláusula clara, o dever será presumido, mas sem delimitações precisas, o que expõe ambas as partes a insegurança jurídica.
Nestes casos, as decisões judiciais podem variar, pendendo ora a favor do trespassário, ora do trespassante, de acordo com o caso concreto.
O QUE ACONTECE EM CASO DE VIOLAÇÃO DO DEVER DE NÃO CONCORRÊNCIA?
Se o trespassante desrespeitar esse dever, o trespassário tem meios legais de defesa à sua disposição para proteger o investimento realizado.
O trespassário pode exigir, judicialmente, que o vendedor cumpra a obrigação de não concorrência, cessando a atividade indevida.
É ainda possível requerer ao tribunal a aplicação de uma multa diária enquanto durar o incumprimento.
O trespassário pode também exigir uma compensação financeira, com base na responsabilidade civil contratual, pelos prejuízos sofridos, tais como, desvio de clientela, queda no volume de vendas e danos reputacionais.
BOAS PRÁTICAS PARA EVITAR CONFLITOS
- Redigir a cláusula de não concorrência com clareza e limites razoáveis
- Negociar os termos de forma equilibrada para evitar abusos ou nulidades
- Formalizar por escrito com referência expressa à duração, área e atividade abrangida
CONCLUSÃO
O dever de não concorrência no trespasse de estabelecimento comercial é uma ferramenta essencial para proteger o equilíbrio contratual e o sucesso do negócio transferido.
Embora não seja imposto automaticamente por lei, a sua presunção implícita e relevância prática tornam fundamental a sua regulação clara no contrato.
A omissão dessa cláusula expõe ambas as partes a interpretações ambíguas e insegurança jurídica, razão pela qual é indispensável antecipar e regular esse dever de forma objetiva.
Em caso de violação, o trespassário dispõe de instrumentos jurídicos eficazes para fazer valer os seus direitos e reparar eventuais prejuízos.





