Em Portugal, o RCBE funciona como um repositório central que identifica quem são os beneficiários efetivos (as pessoas físicas com controlo real) de empresas, associações ou centros de interesse coletivo. Com as alterações legislativas de 2025, houve mudanças importantes: quem quer aceder à informação precisa agora de demonstrar um interesse legítimo, e certas entidades e situações foram excluídas do regime. Estas alterações equilibram a transparência necessária para prevenir branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo com a proteção da privacidade dos beneficiários efetivos.
1. O QUE MUDOU NO ACESSO À INFORMAÇÃO
A nova redação do artigo 19.º, n.º 1 do regime jurídico do RCBE prevê que a informação seja disponibilizada em página eletrónica, mas somente a quem demonstrar interesse legítimo no acesso. Ou seja, já não é de acesso livre e indiscriminado a lista de beneficiários efetivos; a partir de agora só terão acesso pessoas ou organizações que provem que o seu pedido visa um propósito relevante (por exemplo, verificação de risco contratual ou diligência prévia antes de negócio).
Além disso, todos os acessos à informação são registados para efeitos de auditoria, com acompanhamento do interesse invocado, sendo guardados por cinco anos.
Estas mudanças visam duas finalidades principais: proteger direitos fundamentais dos beneficiários efetivos como o direito à privacidade e à proteção de dados pessoais; e fortalecer a transparência no universo jurídico‑comercial, especialmente para quem vai fazer negócios ou parcerias com entidades sujeitas ao RCBE, ajudando a evitar entidades “ocultas” ou com beneficiários não identificados.
2. EXCLUSÃO DAS HERANÇAS INDIVISAS DO ÂMBITO DE APLICAÇÃO
Com o Decreto‑Lei n.º 115/2025, introduziu‑se uma nova exclusão: as heranças indivisas passam a estar fora do regime de registo de beneficiário efetivo. Até então, só as heranças jacentes estavam excluídas.
O fundamento é claro: uma herança indivisa resulta da vontade de os herdeiros manterem os bens em divisão comum. Não existe um novo sujeito que constitua deliberadamente a entidade, logo não faz sentido submetê‑la ao regime que regula entidades voluntariamente constituídas.
3. AJUSTES NA DECLARAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO DO BENEFICIÁRIO EFETIVO
Também foi alterado o artigo 9.º, n.º 1, alínea c) do regime do RCBE: em vez de referir apenas “relativamente ao declarante”, agora contempla expressamente “o representante legal do beneficiário efetivo menor ou maior acompanhado”.
Este ajuste clarifica que quando o beneficiário efetivo for menor ou estiver sob acompanhamento, identifica‑se também o representante legal, não equiparando este ao beneficiário efetivo, mas assegurando a devida responsabilização; além disso, garante que todos os dados que permitam a responsabilização do ato declarativo fiquem visíveis.
4. O IMPACTO PRÁTICO PARA EMPRESAS, ASSOCIAÇÕES E QUEM CONSULTA O RCBE
Para as entidades sujeitas ao RCBE (empresas, associações, fundações, centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica):
- Devem confirmar que a declaração de beneficiário efetivo está atualizada e, se for o caso, justificar pedidos de restrição de acesso ou ausência de divulgação;
- Devem estar preparadas para que quem solicitar acesso com interesse legítimo seja sujeito a verificação;
- Têm menos risco de divulgação indiscriminada dos dados pessoais dos beneficiários, o que melhora a privacidade.
Para quem consulta ou vai fazer diligência prévia (investidores, bancos, clientes, fornecedores, advogados):
- Antes de poder aceder à informação, terá de justificar o seu interesse legítimo (por exemplo: análise de risco contratual, investigação de controlo, auditoria ou litígio);
- Saber que os acessos ficam registados (quem, quando, qual o interesse) torna o sistema mais transparente e com maior rastreabilidade;
- Em negociações com entidades em Portugal, a ausência de beneficiário efetivo declarado ou restrições de acesso pode levantar bandeiras vermelhas e exigir diligências adicionais.
5. BOAS PRÁTICAS PARA ESTAR EM CONFORMIDADE
- Verifique se a entidade está obrigada a declarar beneficiários efetivos (consultar regime jurídico, prazos, etc.);
- Assegure que a declaração está atualizada: qualquer alteração relevante deve ser comunicada dentro dos prazos legais;
- Avalie se convém pedir “pedido especial de restrição de acesso” aos dados do beneficiário, caso haja risco de exposição;
- Caso pretenda aceder aos dados de outra entidade, prepare‑se para demonstrar o seu interesse legítimo com documentos que suportem a finalidade;
- Guarde registos internos do pedido de acesso ou da consulta, pois o sistema RCBE agora regista essas operações.
CONCLUSÃO
As alterações ao regime do RCBE implementadas em 2025 representam um equilíbrio entre transparência institucional e proteção da privacidade individual. Ao exigir interesse legítimo para o acesso à informação dos beneficiários efetivos e ao excluir certas entidades como as heranças indivisas, o sistema torna‑se mais robusto e adaptado às realidades nacionais e internacionais. Quer seja gestor de entidade, consultor ou parceiro comercial, estar informado e em conformidade com estas mudanças é hoje mais importante do que nunca.





